sábado, 11 de abril de 2015

Coleções

Há quem colecione latinhas, caixinhas, bichinhos os mais diversos, uma infinidade de quinquilharias de valor inestimável para o colecionador e quando muito algo curioso para os céticos.
Existem também as coleções que escapam a essa definição; aquelas às quais se atribui uma elevada função: os livros, por exemplo.
Eu coleciono janelas, mas não são quaisquer janelas, daquelas que estão referidas ao espaço. As minhas são janelas que se abrem para o tempo.
Cuido muito bem delas e as conservo arrumadas e desempoeiradas em minha memória.
São de todos os tipos e materiais, não há a menor preocupação em ordená-las por qualquer critério; só estão lá me acompanhando para onde quer que eu vá.
Além disso, minha coleção tem outra peculiaridade: não sou eu quem procuro novas peças, elas que me encontram. A mim só compete estar viva para que minha coleção aumente.
Tenho uma bem antiga, acho que é a mais antiga, dessas que se abrem diretamente para a rua, onde uma menininha sorridente está sentada abraçada a seu cãozinho, amparada pela mãe, com as perninhas balançando soltas. Quando essa janela me encontrou aprendi o que é ternura.
E janelas aos pares! Quem conhece? 
Com elas se pode juntar dois mundos: o de fora e o de dentro. Tenho um par dessas. São de madeira rústica com pintura azul, um pouco descascadas. Estão unidas em ângulo e ao lado de cada uma está um dos ganchos que sustentam a rede. O balançar deixa ver através de uma, de outra, de uma, de outra... Uma mostra um quintal de terra batida onde crescem sem ordem couves e flores. Outra deixa ver uma rua sonolenta de cidade de interior. Na sala o pêndulo do carrilhão acompanha o balanço da rede. Essas janelas me ensinaram o devaneio.
Tenho também uma bem pequenininha, sem adorno algum, monástica. Estivera em uma saleta minúscula onde só cabiam o piano e uma menina que só podia estudar. Parece que quem colocou a janela ali não queria que a menina visse o mundo, mas do lado de fora cresciam grandes árvores transgressoras que exibiam suas copas para a menina. Com essa janela aprendi a liberdade.
Certa vez encontrou-me uma janela triste. Era grande, uma de inúmeras iguais a ela. Havia estado muito tempo em um andar alto de edifício. Vira uma elegante avenida perder seus contornos de nobreza. Trazia estampada entre seus caixilhos uma mulher que espera a filha chegar da escola. Com ela aprendi devoção.
E outra então! Entre todas é a mais enfeitada. De grades rendilhadas infiltrou-se insidiosa em minha coleção. Exibe grades porque além delas há o nada. Quem a visse não diria que me ensinou o desespero.
Minha mais recente janela é talvez a mais querida. É simples e mágica. Sempre aberta, filtra a luz com cortina branca, lembrando outras de outros tempos. Deixa ver o dia e a noite, o ontem, o hoje e sugere o amanhã. Carrega todos os tons do azul e mesmo o mais negro brilha. Não me ensinou nada, só me mostra que tenho vício de felicidade.