domingo, 15 de maio de 2016

Trauma

Era uma vez um pinheirinho que vivia feliz ao lado de um muro. Alegrava-se e sorria a cada amanhecer, fizesse sol ou chovesse. Era novinho, mas já era sábio. Entendia de natureza. Sabia colher dela o que necessitava. Bem alimentado, crescia forte e imponente. Até que seu viço começou a incomodar quem vivia do outro lado do muro. Em uma noite particularmente escura o pinheirinho aprendeu uma triste lição sobre a natureza dos homens. Embuçado, pensando esconder no breu da noite as sombras de sua maldade, o vizinho aproxima-se o pinheirinho e o mutila. Atinge-o na parte mais tenra. Arranca em um só golpe o broto de onde sairiam novas folhas.
Quem disse que pinheirinhos não choram? Choram e sangram! 
Alguém que passava, e que sabia conversar com plantas, ouviu aquele lamento. Seguindo o som daquela dor logo encontrou o pinheirinho que lhe relatou o ocorrido. Contou que lhe doía muito o corpo, mas que não era menor a dor da alma pois havia visto o horror da maldade.
Compadecida a pessoa propôs ao pinheirinho que tentassem juntos uma operação delicada: um transplante. Poderia doer pois teria que tocar em suas raízes. O pinheirinho concorda pois intuira que desse risco poderia vir a salvação de seu corpo e um curativo para sua alma. Reencontrara a bondade e com ela conheceu a esperança.
Foi transportado para um terreno longe de muros. Todos os dias recebia a visita de seu amigo que lhe dizia palavras de conforto e de estímulo. Bem devagarinho convalesceu e em uma manhã radiosa percebeu que lhe nascera um novo broto bem ao lado da cicatriz do que lhe tinha sido arrancado. Alegrou-se tanto que naquele ano produziu mais folhas do que nunca e retomou seu caminhar em direção ao alto como era de sua natureza. Não que pretendesse alcançar o céu. Longe disso. Nada de arrogâncias. Só queria que ao olharem para suas folhas mais altas vissem também o céu e percebessem a maravilha da liberdade.
Durante toda sua longa vida cumpriu essa missão com excelência pois além de suas folhas viçosas exibia a cicatriz que lhe havia marcado a carne feita por alguém que preferia muros à liberdade.