sábado, 25 de julho de 2015

Abaixo do Equador

Propaganda enganosa. Só calor e carnaval! Alegria geral. Ninguém lê as letrinhas pequenas. Aliás as palavras epicurismo e hedonismo causam um certo arrepio moralista. Simplificadamente, epicurismo é o prazer do sábio, o domínio sobre as emoções, a busca da tranquilidade do espírito. Hedonismo considera o prazer o único bem possível, portanto o fundamento da vida moral. Mas, aqui abaixo do Equador, prazer é prazer e ponto. Aliás quanto mais pensamos em prazer menos nos lembramos de sabedoria e moral. Afinal, tudo do que gosto "é ilegal, imoral, ou engorda"! Prazer está muito mais associado a culpa.
Junto com o calor dos trópicos carregamos uma culpa de nascença e no esforço de pagarmos essa dívida sem remissão aprendemos a valorizar a dor e o sacrifício; único passaporte para um prazer sem culpa ( e sem corpo ) no futuro e no além.
O que pensar então de "Carpe diem"? "Colha o dia. Aproveite o momento". Não é só ilustração de camiseta!
Se dos gregos selecionamos o prazer, dos romanos ficamos com o imediatismo. E haja culpa! 
No entanto, colher o dia é a senha para o prazer sem culpa. Nem passado, nem futuro. Passado é um perigo, porque as boas lembranças trazem saudade e ela dói. As más lembranças amarguram e também dói. Prazer zero. Futuro é só ansiedade,dúvida, insegurança. Ái que dor! 
O agora é a passagem, o passaporte. Passagem pequena, estreita e fugaz porque em um átimo o agora é passado. Então, olhos bem abertos, alma escancarada, espírito em sossego (epicurismo!) para colher sabiamente o prazer miúdo é intenso de se estar vivo e livre para pensar e degustar " o prazer nosso de cada dia "! 

domingo, 19 de julho de 2015

A fábula do grilo


 Não conheço nenhuma. Só a da cigarra e da formiga. A cigarra pensa que a vida é uma festa e a formiga nunca é convidada. 
Sabido mesmo é o grilo. Não grita como a cigarra e não é mudo como a formiga. Sabe a hora de falar e a hora de calar. Ele sim entende de felicidade. Sabe que ela é passageira e que é preciso estar atento para percebê-la. Por isso às vezes fica quietinho. Vai vivendo sua vidinha. Sabe que ela não é só uma festa, mas que às vezes é. E quando é, ele não falta. Então canta para avisar a quem estiver atento.

quarta-feira, 8 de julho de 2015

Encontros

Foi pela janela do ônibus que me levava para o terceiro tempo do dia, que a vi pela primeira vez. Foi por um átimo. A velocidade do ônibus não permitiu mais do que isso. Olhar baixo, passos presos no chão. Num relance vi seu rosto que me pareceu levemente familiar.
Tanto o que fazer, tantas tarefas, tantos desafios. Ao fim de cada dia a satisfação de ter vencido e além disso um grande cansaço. Esqueci-me daquele breve encontro. 
Depois de um bom tempo, novamente por uma janela, revejo-a. Ela era a mesma. O mesmo olhar baixo, os mesmos passos presos no chão. Eu não. Não era mais um ônibus que me levava, era um carro que me trazia. As tarefas tinham diminuido e o tempo não estava mais tão comprometido. Dessa vez nossos olhares se cruzaram e novamente a mesma sensação de familiaridade.
Fica um leve incômodo. Aquele rosto familiar, mas de onde? Passo a procurá-la toda vez que saio. Sigo pessoas que me olham desconfiadas. Nada. Desisto da procura.
Mais algum tempo e um novo encontro. Não estava de passagem em calçadas anônimas, passeava com os mesmos olhos baixos, os mesmos passos presos no chão, no quintal de minha casa. Agora sei de onde a conheço.

quinta-feira, 2 de julho de 2015

..... E o gato subiu no telhado

Se o gato tem sete vidas, já o deixei para trás e muito. Tenho tantas que já perdi a conta e com mais uma vantagem ( ou não ?): as dele são sucessivas, as minhas coexistem. 
O que nenhum gato nunca me contou é se a cada uma é um começar do zero. Se for, sorte dele porque para ele será sempre o tempo do agora.
Comigo a coisa é bem diferente:  o agora é um tempinho espremido entre o era e o será e isso dá um trabalho danado. Além disso essas múltiplas vidas tem uma autonomia irritante, fazem de mim mera personagem. 
Resta ainda um grande desafio: essas vidas concomitantes e autônomas que se apresentam e se escondem a seu bel prazer, misturando tempos e espaços, me impedem de escrever um livro de memórias . Memórias organizadas, lógicas, arrumadas. Cronologia? O que é isso?
Só me resta a esperança de, como Brás Cubas, escrever minhas memórias póstumas....

Receita para anotar receitas

Substitua rapidamente gramas por punhados, pitadas, colheradas.
Para o bem da saúde do corpo e da alma alguns ingredientes devem ser evitados, outros quanto mais melhor.
Menos de exatidão
Mais do imponderável
Menos de ciência
Mais de magia
Menos de elementos
Mais de poções
Menos de técnicos
Mais de homens