segunda-feira, 9 de março de 2015

Ação de despejo

Olhando para uma praça na Avenida Ana Costa - Santos - existe um edifício de arquitetura típica dos anos 50. Formas sinuosas, carnudas. Não foi desenhado com régua, foi feito pelo movimento das ondas que estão ali perto.
Em um de seus apartamentos, varanda aberta para o mar, meus sonhos e fantasias juvenis se fizeram locatários.
Nunca deixei de visitá-los nesses últimos 50 anos. Surpreendia-me ao ver que o tempo que se alimentou de minhas carnes não lhes marcava as faces.
Permaneciam jovens, inquietos, sorridentes.
Vai que um dia deparo-me com placa: "Vende-se".
Se as carnes firmes tinham sumido, a conta bancária até que estava vigorosa.
Ia comprar o apartamento. 
Dia marcado com a corretora. Ansiosa, chego antes do horário. Olho novamente aquelas curvas doces, pela última vez, pelo lado de fora.
Um aperto no peito me avisa do perigo. Vou entrar por uma porta e meus sonhos e fantasias sairiam por outra. Desalojados, despejados, não sobreviveriam ao peso de minha realidade. Magoados, jamais me dariam seu novo endereço.
Rapidamente me afasto do lugar marcado com a corretora que nunca pode entender aquela mudança.
Pacificada, continuo meu passeio com os olhos encharcados das curvas sinuosas e carnudas.


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